quarta-feira, 21 de outubro de 2009


Agentes Penitenciários de Minas Gerais: Agentes públicos ou um problema político/social?


Este documento visa interpretar o contexto histórico em que se deu origem a classe de agentes penitenciários no Estado de Minas Gerais juntamente com a realidade de tais servidores públicos na arena política governamental frente a uma determinada decisão.

Para entender a origem da classe dos agentes penitenciários no Estado de Minas Gerais, faz-se necessário compreender o porquê ou a razão de sua existência. Em um momento histórico não muito distante, o agente penitenciário era representado pela figura do carcereiro, do guarda, e existia única e exclusivamente para abrir e fechar celas, ou de forma um pouco mais distorcida vivia atrelada ao famoso “pau de arara”, “porrete”, como forma de solução de conflitos no interior das prisões.

Entretanto, as lutas por dignidade, direitos humanos e constitucionalidade deram origem a diversos conflitos de ordem político-social, sendo que, para a própria sobrevivência da sociedade tais conflitos remetem a vontade do “povo” em obter soluções politicamente corretas para o bem-estar geral. Tal clamor caracteriza-se por demandas sociais capazes de pressionar as agendas governamentais, que, dependendo de seu impacto poderão ou não ser transformadas em políticas públicas sociais.

Com a queda da ditadura militar e a elaboração da Constituição Federal de 1988, os meios coercitivos até então utilizados como única forma de solução para os conflitos político-sociais deram origem ao cenário investido de um estado democrático de direitos. Mas isto não quer dizer que na política não há coerção, segundo Schmitter, a política nada mais é do que a resolução pacífica de conflitos. Reforçada pela definição de Maria das Graças Rua (1995, p.1), ela afirma que: A política consiste no conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam a resolução pacífica de conflitos quanto a bens públicos.

Retornando à situação dos agentes, é importante salientar que sua origem se deu de forma avessa à constituição vigente, tendo o ingresso das pessoas ao cargo se dado sem concurso público. Até mesmo porque a classe não é tão nova assim, os primeiros agentes penitenciários surgiram bem antes da referida constituição, com outro nome, mas exercendo a mesma função. Contudo, o que deveria ter mudado após o ano de 1988 continuou sendo “regra” até o presente momento. Atualmente, cerca de 80% dos servidores do sistema prisional foram admitidos pelo Estado através do mesmo tipo de contrato, que em décadas passadas recrutou os primeiros agentes. Contrato este, totalmente precário em termos de direitos e garantias, com validade de seis meses renovável por tempo indeterminado. Atualmente, um agente penitenciário exerce funções que vão muito além de abrir e fechar cadeados. Devido à alta complexibilidade dos problemas relacionados à criminalidade, hoje, o agente penitenciário é um dos atores principais nos trabalhos relacionados a constantes tentativas em custodiar os presos com dignidade em conjunto com a tão falada ressocialização.

Para entender o estrago que este contrato causa aos que por ele são regidos é preciso entender o porquê da estabilidade no serviço público. Dê acordo com Coutinho (1999, p.104), o mesmo esclarece a razão de ser da estabilidade. Defende: “A estabilidade justifica-se pela indispensável neutralidade e imparcialidade no exercício das funções públicas”.

Aprofundando o tema em seu artigo, Coutinho co-relaciona a estabilidade da seguinte forma:

Só existe Estado Democrático de Direito se, ao mudarem os agentes políticos de um Estado, os seus agentes administrativos efetivos possuam garantias para exercerem com imparcialidade a sua função pública. Se assim não for, tais agentes não estão sujeitos à vontade da lei e, sim, à vontade e caprichos de cada agente político que assume o poder. (Coutinho 1999, p.105)

Não diferente aos conceitos supramencionados, a realidade vivida por tais servidores dentro dos presídios remete a falta da estabilidade aliada a condutas político/governamentais impregnadas de práticas clientelistas e patrimonialistas, reflexo da má “gestão da coisa pública” em tempos passados. Tais práticas transformam os interesses públicos e sociais em vontades particulares, acionadas pelas relações de poder verticalizadas, surgindo assim, ditados do tipo: “manda quem pode obedece quem tem juízo”, ou “você sabe com quem está falando”, práticas que fazem do Brasil um país totalmente atrasado no que versa os direitos e deveres constitucionais.

Em tempos de crise, no que tange a relação entre desemprego e oferta de trabalho, as pessoas passam a cada vez mais aceitar e tolerar os trabalhos com baixas remunerações e com ambientes de trabalho degradantes. Partindo deste pré-suposto, a rotina dos agentes penitenciários sempre foi pautada pelo excesso de opressão, mandos e desmandos, característica do autoritarismo apoiado na falta de estabilidade dos servidores, que se submetem a tal, única e exclusivamente para não caírem nas estatísticas do desemprego.

Ao observar a greve ocorrida no mês de outubro de 2009, fica claro concluir que a situação de tais servidores é caracterizada no cenário político por um “estado de coisa”, ou seja, de acordo com RUA:

“Estado de coisas” - algo que incomoda, prejudica, gera insatisfação para muitos indivíduos, mas não chega a constituir um item da agenda governamental, ou seja, não se encontra entre as prioridades dos tomadores de decisão. Quando este estado de coisas passa a preocupar as autoridades e se torna uma prioridade na agenda governamental, então se torna um “problema político”. (RUA, 1995, p.5)

Diferente do que se espera ocorrer em uma arena política foi a resposta do Estado frente à manifestação dos servidores, que sem sequer avaliar as ponderações, proferiu um comunicado publicado no Diário Oficial demitindo todos os servidores contratados envolvidos na greve e afastando todos os efetivos também envolvidos. Tal resultado refere-se ao processo chamado de “não-decisão”, e pode ser mais bem explicado pela doutrina da autora supramencionada, que nos mostra:

A não decisão não se refere à ausência de decisão sobre uma determinada questão que foi incluída na agenda governamental política. Isso seria mais propriamente resultado do emperramento do processo decisório. Não-decisão significa que determinadas temáticas que ameaçam fortes interesses, ou que os códigos de valores de uma sociedade (e, da mesma forma, ameaçam interesses) encontram obstáculos diversos e de variada intensidade à sua transformação de um estado de coisas em um problema político – e, portanto, à sua inclusão na agenda governamental. (RUA, 1995, p.6)

De acordo com a definição acima, é notória a pouca importância da pelos governantes a problemas que sem sombra de dúvida, mais cedo ou mais tarde voltarão a pressionar as agendas governamentais, se não deste governo, provavelmente do próximo. Ou seja, trata-se de uma questão interna ao governo, mas que também caminha junto com aqueles cidadãos representantes de um papel social específico no cenário da segurança pública mineira.

Nesta referida arena política a dinâmica das relações entre os atores, no caso o Estado e os agentes penitenciários, teve seu desfecho obedecendo ao padrão de “luta” na arena política. Para esclarecer tal definição fazem-se novamente às palavras de Rua:

As lutas representam o pior caminho a se tomar no contexto das arenas políticas, sendo que estas representam o “jogo do soma-zero”, ou seja, uma situação na qual, para que um ator ganhe, o outro tem que perder. Esta é a pior de todas as situações em política. (RUA, 1995, p.7)

A postura estatal frente às manifestações reflete também a uma outra dinâmica conhecida pela pressão pública, que nada mais é do que uma atitude radical em que se lança mão da mídia para mobilizar a opinião pública (RUA, 1995, p.8), pressionando-a a seu favor. Outra postura que fere totalmente o significado da democracia está no uso da força como meio de coerção, ou seja, impedir que se seja montada uma arena política de discussão das demandas utilizando uma das forças legítimas do Estado (Polícia Militar) contra o próprio Estado (Servidores públicos civis). Mais uma vez, provando que o Brasil ainda precisa evoluir muito para que as garantias constitucionais e os direitos humanos sejam vividos de forma plena.

Enfim, são por estes e outro motivos que o povo brasileiro encontra dificuldades em participar ativamente nas decisões políticas, tornando a participação citadina nos modelos governamentais algo praticamente impossível de ser exercer. Haja vista que apesar dos servidores públicos serem “braços” do Estado, estes também fazem parte da sociedade e da mesma forma possuem demandas políticas passíveis de apreço nas agendas político-governamentais.

Nota:

As considerações aqui descritas não se caracterizam por manifestações favoráveis ou contrárias às partes na arena política. Mas sim, por um ponto de vista do autor acerca de análises das políticas públicas no que versam as demandas frente às agendas governamentais.

Os anseios da sociedade por mudanças associados ao conhecimento científico, trará o remédio que proporcionará mais dignidade ao ser humano.

O autor:

SENA, Junio Luis Ferreira. Graduando no curso de Gestão de Segurança Pública no Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH, servidor público estadual e pesquisador.

Referencias:

RUA, M. Graças & AGUIAR, Alessandra T., "A Política Industrial no Brasil 1985‑1992: Políticos, Burocratas e Interesses Organizados no Processo de Policy‑Making” in Planejamento e Políticas Públicas, No. 12, jul. - dez 1995.

COUTINHO, Ana Luísa Cellino. A Estabilidade do Servidor Público na Reforma Administrativa. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Pernambuco – ESMAPE. Recife. v.4. nº. 9. Jan./Jun. 1999.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Atualizada até a Emenda Constitucional nº. 57, de 18.12.2008. Brasília.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A realidade acerca da participação citadina nos modelos governamentais

Este texto visa argumentar sobre os moldes contemporâneos em que se encontra a gestão da coisa pública tendo em vista a participação citadina sobre tal gestão. Falar de gestão pública é o mesmo que falar em administração governamental com parceria da sociedade. Haja vista que, todo o trabalho da administração pública gira em torno das demandas sociais, uma vez que a origem do Estado se fundamenta na necessidade de organização da sociedade.

Com o Brasil e o mundo passando por momentos socialmente impactantes, como as crises financeiras, aquecimento global, violência domestica, etc. É normal observar um maior clamor social, ou seja, o desejo de mudança por parte de todos os indivíduos passa a fazer parte das agendas governamentais de forma sistêmica. Tal anseio refere-se ao aumento das demandas nas políticas públicas em geral.

Contudo, falando de Brasil, ainda observa-se que as formas de se gerir a máquina pública permanecem estagnadas a modelos “carregados” de cultura arcaica adquirida pelos anos e anos de diferenças sociais. Tal cultura reflete a pessoalização nas formas de se gerir o que é público, pautando-se pelo clientelismo e patrimonialismo, uma vez que, ambas as práticas visam única e exclusivamente à valorização dos interesses corporativos, ou seja, as demandas particulares passam a deixar as questões coletivas para segundo plano.

É fato afirmar que a cada quatro anos há uma imensa e efetiva participação social nas decisões governamentais, haja vista as formas legais e constitucionais que marcam a alternância na gestão pública. Mas o que é de difícil entendimento está no fato dessa única e poderosa forma de participação social se resumir a quase que somente a esse momento.

Aparecem então, várias perguntas que visam entender tal fenômeno. O problema será de cunho cultural? Ou seja, estará no fato da sociedade brasileira ainda não ter aprendido a se posicionar de forma sistêmica nas decisões governamentais que tange a prática das políticas públicas. Será de natureza ético-profissional? Haja vista que a ética é um principio totalmente subjetivo, delicado e particular, que primeiramente necessita partir de cada individuo para depois “contagiar” o meio social.

Talvez o problema seja respondido com um, dois ou mais apontamentos, mas o que vale agora é realmente apontar a insubstituível participação citadina na gestão da coisa pública como uma das formas mais significativas de execução da cidadania. O diferencial nessa interação se dá pelo contato direto em que a sociedade mantém com seus próprios problemas, ou seja, as demandas sociais. Problemas estes, que muitas das vezes passam longe dos olhos dos governantes, justificando-se novamente pela heterogeneidade brasileira. Uma vez que a diferença social entre um governante com seu “gordo” rendimento e um cidadão desempregado ou assalariado os coloca em posições distintas, e consecutivamente, a gestão pública frente às ponderações e conclusões também será diferente, resultando também no entrave para o desenvolvimento da cidadania.

Para explicar melhor o assunto, lanço mão da obra do Professor Titular da Faculdade de Educação e PROCAM da Universidade de São Paulo, Pedro R. Jacobi, em “Políticas sociais locais e os desafios da participação citadina”. No seu texto, o autor propõe o aprofundamento da reflexão em torno das dimensões da participação e das possibilidades de ampliação da cidadania. Pedro fornece elementos de comparação sobre o papel dos diversos atores intervenientes, num contexto onde ainda convivem as formas tradicionais de gestão e as experiências inovadoras que começam a se legitimar aos olhos da população.

Os temas desenvolvidos pelo escritor se centram na associação entre cidadania, democracia participativa, governabilidade e sustentabilidade. O professor salienta que na América Latina, a luta pela conquista de espaço para aumentar a participação social, é um imenso desafio, e que tais propostas acerca do aumento desta participação ainda permanecem mais na oratória do que na prática. Tanto no Brasil quanto nos demais países da América Latina os fatores determinantes da cultura política permeiam-se nas tradições estatistas, centralizadoras, patrimonialistas e, portanto, por padrões de relação clientelistas, meritocráticos e de interesses criados entre sociedade e Estado.

“A possibilidade de alterar a inconstitucionalidade pública está associada às demandas que se estruturam na sociedade”. “O que está em jogo é a necessidade de atualização dos princípios ético-políticos da democracia”. “A ampliação da esfera pública ocasiona uma demanda à sociedade para obtenção de uma maior influencia sobre o Estado”. Os novos atores sociais e seus respectivos movimentos emergentes após a década de 70 tiveram papel fundamental nas estruturas da arena política formal, tendo em vista o aumento nas demandas sobre as políticas públicas no que tange à gestão por eficiência. Contudo o processo de participação social é lento e longo, haja vista que os novos rumos são marcados pela participação de indivíduos dotados de papeis sociais diferentes, cujos objetivos às vezes se divergem entre cidadãos ativos (participativos) e estruturas sócias rígidas, pautadas pelas formas tradicionais de clientelismo e patrimonialismo.

Relevante a explicação do autor quando este afirma que, muitas vezes, em nome de “supostos interesses públicos” mantêm-se estruturas e gestões estatais verticalizadas e autoritárias, que servem para garantir interesses corporativos, para privatização de recursos orçamentários e para a concessão de benefícios políticos restritos a determinados grupos de indivíduos. De acordo com o texto, os maiores desafios para se atingir níveis satisfatórios de participação citadina são os seguintes: A definição de critérios de representação, de forma a impedir tanto a sua manipulação por grupos guiados por interesses particularizados, como a possibilidade da sua instrumentalização pela administração pública.

A grande heterogeneidade entre os grupos sociais, a qual faz com que os interesses dos grupos socialmente organizados (minoria) se sobreponham aos interesses dos grupos não-organizados (maioria). Outro desafio está nas estruturas governamentais pautadas pelo clientelismo e patrimonialismo político, advindos de uma cultura organizacional heterogenia. Até mesmo a falta de um ethos, ou seja, princípios e valores que norteiam a convivência em sociedade, fazem com que se torne difícil a união participativa entre a sociedade e o Estado. Além dessas, o autor lista outras formas de resistência, cuja natureza se da pelo próprio corporativismo, abdicante das praticas instrutivas, levando os funcionários a não compreenderem o alcance da abertura de canais na gestão da coisa pública.

Para finalizar, Pedro Jacobi aponta a necessidade acerca da consciência de cidadania, tanto com ao Estado, mas, principalmente entre os diversos grupos sociais, aos quais, a consciência citadina deve estar explicita em cada indivíduo, para que estes possam assumir de forma crescente, o papel de sujeito na definição das diretrizes de gestão administrativa da sociedade. Dessa forma, ele mostra que somente assim, pode haver condições de enxergar e vencer o desafio em superar as barreiras socioinstitucionais e fortalecer políticas pautadas pela inclusão da noção de interesse geral.

Através de tais argumentos, fica claro a importância da participação social nas agendas governamentais, no intuito de fomentar políticas públicas mais eficientes, voltadas para as demandas sociais, e ao mesmo tempo fortalecer culturas capazes de se sobrepor aos moldes político-governamentais pautados por culturas atreladas ao clientelismo, patrimonialismo e a qualquer outro tipo de comportamento corporativo que não vise os interesses coletivos.

Nota:

Este texto foi elaborado a partir das considerações do autor juntamente com as idéias centrais do texto “Políticas sociais locais e os desafios da participação citadina” de Pedro R. Jacobi.

O autor:

SENA, Junio Luis Ferreira. Graduando no curso de Gestão de Segurança Pública no Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH, servidor público estadual e pesquisador.

Referencias:

Jacobi, Pedro R. Ciência & Saúde Coletiva. São Paulo: 443-454, 2002.