Este texto visa argumentar sobre os moldes contemporâneos em que se encontra a gestão da coisa pública tendo em vista a participação citadina sobre tal gestão. Falar de gestão pública é o mesmo que falar em administração governamental com parceria da sociedade. Haja vista que, todo o trabalho da administração pública gira em torno das demandas sociais, uma vez que a origem do Estado se fundamenta na necessidade de organização da sociedade.
Com o Brasil e o mundo passando por momentos socialmente impactantes, como as crises financeiras, aquecimento global, violência domestica, etc. É normal observar um maior clamor social, ou seja, o desejo de mudança por parte de todos os indivíduos passa a fazer parte das agendas governamentais de forma sistêmica. Tal anseio refere-se ao aumento das demandas nas políticas públicas em geral.
Contudo, falando de Brasil, ainda observa-se que as formas de se gerir a máquina pública permanecem estagnadas a modelos “carregados” de cultura arcaica adquirida pelos anos e anos de diferenças sociais. Tal cultura reflete a pessoalização nas formas de se gerir o que é público, pautando-se pelo clientelismo e patrimonialismo, uma vez que, ambas as práticas visam única e exclusivamente à valorização dos interesses corporativos, ou seja, as demandas particulares passam a deixar as questões coletivas para segundo plano.
É fato afirmar que a cada quatro anos há uma imensa e efetiva participação social nas decisões governamentais, haja vista as formas legais e constitucionais que marcam a alternância na gestão pública. Mas o que é de difícil entendimento está no fato dessa única e poderosa forma de participação social se resumir a quase que somente a esse momento.
Aparecem então, várias perguntas que visam entender tal fenômeno. O problema será de cunho cultural? Ou seja, estará no fato da sociedade brasileira ainda não ter aprendido a se posicionar de forma sistêmica nas decisões governamentais que tange a prática das políticas públicas. Será de natureza ético-profissional? Haja vista que a ética é um principio totalmente subjetivo, delicado e particular, que primeiramente necessita partir de cada individuo para depois “contagiar” o meio social.
Talvez o problema seja respondido com um, dois ou mais apontamentos, mas o que vale agora é realmente apontar a insubstituível participação citadina na gestão da coisa pública como uma das formas mais significativas de execução da cidadania. O diferencial nessa interação se dá pelo contato direto em que a sociedade mantém com seus próprios problemas, ou seja, as demandas sociais. Problemas estes, que muitas das vezes passam longe dos olhos dos governantes, justificando-se novamente pela heterogeneidade brasileira. Uma vez que a diferença social entre um governante com seu “gordo” rendimento e um cidadão desempregado ou assalariado os coloca em posições distintas, e consecutivamente, a gestão pública frente às ponderações e conclusões também será diferente, resultando também no entrave para o desenvolvimento da cidadania.
Para explicar melhor o assunto, lanço mão da obra do Professor Titular da Faculdade de Educação e PROCAM da Universidade de São Paulo, Pedro R. Jacobi, em “Políticas sociais locais e os desafios da participação citadina”. No seu texto, o autor propõe o aprofundamento da reflexão em torno das dimensões da participação e das possibilidades de ampliação da cidadania. Pedro fornece elementos de comparação sobre o papel dos diversos atores intervenientes, num contexto onde ainda convivem as formas tradicionais de gestão e as experiências inovadoras que começam a se legitimar aos olhos da população.
Os temas desenvolvidos pelo escritor se centram na associação entre cidadania, democracia participativa, governabilidade e sustentabilidade. O professor salienta que na América Latina, a luta pela conquista de espaço para aumentar a participação social, é um imenso desafio, e que tais propostas acerca do aumento desta participação ainda permanecem mais na oratória do que na prática. Tanto no Brasil quanto nos demais países da América Latina os fatores determinantes da cultura política permeiam-se nas tradições estatistas, centralizadoras, patrimonialistas e, portanto, por padrões de relação clientelistas, meritocráticos e de interesses criados entre sociedade e Estado.
“A possibilidade de alterar a inconstitucionalidade pública está associada às demandas que se estruturam na sociedade”. “O que está em jogo é a necessidade de atualização dos princípios ético-políticos da democracia”. “A ampliação da esfera pública ocasiona uma demanda à sociedade para obtenção de uma maior influencia sobre o Estado”. Os novos atores sociais e seus respectivos movimentos emergentes após a década de 70 tiveram papel fundamental nas estruturas da arena política formal, tendo em vista o aumento nas demandas sobre as políticas públicas no que tange à gestão por eficiência. Contudo o processo de participação social é lento e longo, haja vista que os novos rumos são marcados pela participação de indivíduos dotados de papeis sociais diferentes, cujos objetivos às vezes se divergem entre cidadãos ativos (participativos) e estruturas sócias rígidas, pautadas pelas formas tradicionais de clientelismo e patrimonialismo.
Relevante a explicação do autor quando este afirma que, muitas vezes, em nome de “supostos interesses públicos” mantêm-se estruturas e gestões estatais verticalizadas e autoritárias, que servem para garantir interesses corporativos, para privatização de recursos orçamentários e para a concessão de benefícios políticos restritos a determinados grupos de indivíduos. De acordo com o texto, os maiores desafios para se atingir níveis satisfatórios de participação citadina são os seguintes: A definição de critérios de representação, de forma a impedir tanto a sua manipulação por grupos guiados por interesses particularizados, como a possibilidade da sua instrumentalização pela administração pública.
A grande heterogeneidade entre os grupos sociais, a qual faz com que os interesses dos grupos socialmente organizados (minoria) se sobreponham aos interesses dos grupos não-organizados (maioria). Outro desafio está nas estruturas governamentais pautadas pelo clientelismo e patrimonialismo político, advindos de uma cultura organizacional heterogenia. Até mesmo a falta de um ethos, ou seja, princípios e valores que norteiam a convivência em sociedade, fazem com que se torne difícil a união participativa entre a sociedade e o Estado. Além dessas, o autor lista outras formas de resistência, cuja natureza se da pelo próprio corporativismo, abdicante das praticas instrutivas, levando os funcionários a não compreenderem o alcance da abertura de canais na gestão da coisa pública.
Para finalizar, Pedro Jacobi aponta a necessidade acerca da consciência de cidadania, tanto com ao Estado, mas, principalmente entre os diversos grupos sociais, aos quais, a consciência citadina deve estar explicita em cada indivíduo, para que estes possam assumir de forma crescente, o papel de sujeito na definição das diretrizes de gestão administrativa da sociedade. Dessa forma, ele mostra que somente assim, pode haver condições de enxergar e vencer o desafio em superar as barreiras socioinstitucionais e fortalecer políticas pautadas pela inclusão da noção de interesse geral.
Através de tais argumentos, fica claro a importância da participação social nas agendas governamentais, no intuito de fomentar políticas públicas mais eficientes, voltadas para as demandas sociais, e ao mesmo tempo fortalecer culturas capazes de se sobrepor aos moldes político-governamentais pautados por culturas atreladas ao clientelismo, patrimonialismo e a qualquer outro tipo de comportamento corporativo que não vise os interesses coletivos.
Nota:
Este texto foi elaborado a partir das considerações do autor juntamente com as idéias centrais do texto “Políticas sociais locais e os desafios da participação citadina” de Pedro R. Jacobi.
O autor:
SENA, Junio Luis Ferreira. Graduando no curso de Gestão de Segurança Pública no Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH, servidor público estadual e pesquisador.
Referencias:
Jacobi, Pedro R. Ciência & Saúde Coletiva. São Paulo: 443-454, 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário