quarta-feira, 5 de maio de 2010

Álcool, Crime e o Sistema Prisional Brasileiro

Álcool, Crime e o Sistema Prisional Brasileiro

Este texto visa abordar questões relacionadas ao álcool, o crime e fenômenos observados na da prática funcional do Sistema Prisional Brasileiro. A princípio, é importante destacar o papel do álcool na sociedade, como sendo uma droga lícita e bastante consumida no mundo, mas que, como qualquer outra droga ilícita, tem o potencial de provocar diversos problemas a serem encarados e tratados pelos órgãos de saúde pública.

Partindo do princípio legal, a condição de licitude do consumo e venda de bebidas alcoólicas reduz por um lado um problema criminal relacionado a esta pratica, mas abre um grande leque de discussões relacionadas à sua possível ligação com os fenômenos criminais. Tendo o álcool relação ou não com a criminalidade o que esta dissertação explorará são os eventos concretos onde o a presença do consumo de álcool pôde ser detectada, tendo como objeto de análise a observação do ambiente prisional.

Antes de entrar nas questões supramencionadas é relevante considerar outros fatores de ordem não-criminal que da mesma forma relacionam-se com o consumo de bebidas alcoólicas. Dando um enfoque contemporâneo a esta questão, é notório ressaltar o papel das pressões do mundo moderno sobre a sociedade, tendo a globalização como evolução do processo capitalista tão impactante na vida das pessoas. A falta de tempo ou o corre-corre do dia-a-dia que leva os indivíduos a deixarem de observar suas demandas físicas, emocionais e psíquicas gera um sobrecarga devido à acumulação destas demandas, que, dependendo da interferência de fatores como, a genética, o meio social, condição biológica e cultural, poderão exercer forças para provocar a aproximação do indivíduo às drogas, como forma de amenizar tais pressões. “Hoje, entende-se o alcoolismo como um fenômeno emergente, que surge em uma rede causal complexa, onde interagem fatores biológicos, genéticos, sociais, culturais e psicológicos, sendo compreendido como uma doença” (Edwards ET alii, 1999).

Como se pode perceber vários são os fatores que podem dar ensejo ao uso das drogas, assim como estes mesmos fatores podem abrir portas para o mundo da criminalidade. A dicotomia deste assunto é palco para diversas discussões no campo científico, assim como narra Harold, “Aceita-se, em geral, que o mau uso do álcool etílico está relacionado ao crime. Contudo, tal a ssociação é de difícil execução, porque, além de boa parte dos estudos serem retrospectivos, baseados nos relatos dos próprios apenados, o comportamento criminoso é complexo e multifatorial” (Harold, 2000).

Ainda tratando do uso do álcool como sendo uma doença é importante destacar alguns conceitos científicos. Em 1960, estudiosos elaboraram uma espécie de tipografia do alcoolismo:

Tipo alfa: o álcool é utilizado como uma forma de “tratar” o desconforto. Não há o beber excessivo ou descontrolado;
Tipo beta: O alcoolismo é manifestado por complicações físicas, mas não ocorre dependência e síndrome de abstinência;
Tipo gama: O alcoolismo é manifestado por tolerância, beber descontrolado e sintomas de abstinência;
Tipo delta: esta fase é similar ao tipo gama, mas o alcoolista não consegue manter nenhum período de abstinência;
Tipo ípsilon: esta fase é o alcoolismo periódico, caracterizado pela ingestão maciça e intermitente de álcool, como na dipsomania (Jellinek, 1960).

A ingestão exacerbada de álcool etílico sobrecarrega demasiadamente o sistema de saúde pública devido às complicações orgânicas, psicológicas e nos casos de acidentes com histórico relacionado ao uso de álcool. “O consumo excessivo do álcool pode causar desde euforia, diminuição da atenção, prejuízo do julgamento, irritabilidade, agressividade, depressão, labilidade emocional, redução do nível de consciência e, eventualmente, coma” (janicak et alii, 1995).

Falar de questões relacionadas ao uso de álcool e suas conseqüências no sistema prisional brasileiro envolve todo o contexto que movimenta esta máquina, seja no que se refere aos presos, ou no que tange atividade prisional como fatos de risco para prática do consumo de álcool.

O ambiente carcerário, em sua totalidade, é provido de histórias e momentos de sofrimento devido às péssimas condições de encarceramento no qual o preso brasileiro é mantido. Concomitantemente ao encarceramento, este ambiente conta com o somatório de indivíduos dentes, da reincidência ao crime, da corrupção, do abandono, etc. O servidor do sistema prisional é o indivíduo que faz a “ponte” entre o preso e todas as políticas públicas voltadas às demandas do sistema. Sendo assim, este indivíduo está sempre em constante contato com todas as mazelas contidas neste ambiente, ou dele provida. É fato, a existência de inúmeras profissões estressantes, mas neste caso o enfoque é dado a esta, devido, não só à grande pressão sofrida pelo profissional, mas também, à constante relação entre drogas e criminalidade nos presídios.

O profissional do sistema prisional é lançado à sorte dentro dos presídios, devido à falta de uma devida assistência médica e psicológica, que possa aferir os níveis de estresse sofrido pelo agente e o quanto ele pode suportar para a garantia de uma boa qualidade de vida. Logo, a falta de atenção, quando somada à sobrecarga de estresse, abre diversas portas para diversos tipos de comportamentos e atitudes prejudiciais, neste caso, o álcool, por ser uma droga lícita, é em grande parte das vezes, utilizada como válvula de escape para um pseudo alívio dos problemas sofridos. De acordo com o Ministério da justiça: “Casos de alcoolismo são freqüentes entre os profissionais da área de segurança pública. É muito complicado lidar com o alcoolismo porque, de certa forma, aparentemente, entre os profissionais sob estresse, esta doença é até tolerada” (SENASP/MJ, 2009). Tal prática acaba dando origem a um processo do tipo “bola-de-neve”, já que as origens não são tratadas e os meios continuam sendo os mesmos. Se uma intervenção clínica e psicológica não for feita, este profissional provavelmente passará a ser vítima de seu próprio ambiente de trabalho.

Várias intervenções poderiam servir como circunstâncias amenizadoras dos problemas enfrentados pelos agentes penitenciários, dentre elas, talvez, a primeira, seria a diminuição ao máximo possível no contato do servidor com o ambiente prisional, através de um rodízio maior em suas escalas de trabalho, colocando o profissional em contato maior com seus familiares e com atividades opostas às desenvolvidas no trabalho. Outra alternativa somatória seria um efetivo trabalho técnico dentro dos presídios, capaz de identificar os pontos críticos de estresse e trabalhar para mitigá-los. Enfim, o certo, é que tal profissão é realmente insalubre para quem a desenvolve e, que, o consumo de álcool, assim como para qualquer indivíduo detentor de problemas advindos dos diversos motivos antes mencionados, deve ser encarado como um fator de risco a estes profissionais.

Dentro das celas a realidade acerca do uso de drogas nos mostra uma forte relação, talvez pelo confinamento, na busca por um suposto alívio, ou talvez pela dependência adquirida em outros momentos da vida em liberdade. O certo é, que, apesar de qualquer que seja a droga ilícita ou não, dentro dos presídios elas são todas proibidas pela Lei de Execução Penal – LEP, mas, várias são as tentativas para burlar esta lei. Devido à fiscalização constante nos presídios, foi desenvolvida pelos presos uma mistura fermentada de cereais e cascas de frutas cítricas, chamada: “Maria louca”, esta mistura tem como princípio de fabricação os mesmos utilizados na fabricação de bebidas destiladas e possui capacidade similar de embriaguez.

Paralelamente a esta prática, têm-se outras tentativas, como: Bebida alcoólica misturadas em refrigerantes enviados por visitantes, entrada via corrupção, etc.
O fato, é que, todas estas manobras feitas para burlar a legislação promotora da legislação penal estão diretamente ligadas à dependência física e psicológica advinda do consumo de álcool etílico, caracterizando problemas de ordem legal e de saúde pública dentro dos presídios.

A abstinência e as tentativas para amenizá-la fazem com que os profissionais de segurança se deparem com diversas situações que exigirá cuidado e tática para garantir a ordem no interior dos presídios. Podendo citar algumas: O comércio ilegal a fim de angariar recursos financeiros para alimentar a compra e venda de drogas, acerto de contas podendo levar à morte como conseqüência, aumento na demanda nos atendimentos de saúde, taxas elevadas na prescrição médica de medicamentos controlados visando aliviar as tensões causadas pela abstinência, violência, etc. Para esclarecer um pouco mais sobre o problema da abstinência, fazem-se as palavras de Seibel:

O quadro clínico que se inicia após a cessação ou redução abrupta do consumo crônico e intenso do álcool. Pelo menos dois dos seguintes critérios devem existir: hiperatividade autonômica; tremor das mãos; insônia; náuseas e vômitos; ilusões ou alucinações transitórias; ansiedade; convulsões do tipo “grande mal”; agitação psicomotora (Seibel, 2001).



Enfim, os problemas relacionados à transgressão da Lei de Execução Penal nos presídios devido ao consumo e conseqüentemente a venda de drogas, não está só relacionado à movimentação financeira do tráfico de drogas, mas também, pelas questões inerentes à saúde física e psíquica dos presos dependentes do álcool etílico, que, quando encarcerados e na ausência desta substancia, passam a utilizar outros tipos de drogas na tentativa de aliviar os problemas relacionados à abstinência, como por exemplo, o uso de: tabaco, maconha, cocaína.

Este estudo mostrou que o abuso no consumo de álcool e as práticas ou tendências criminosas são eventos que não necessariamente acontecem atrelados, devido a circunstancias que ultrapassam os efeitos do álcool etílico no organismo, mas, que, esta substância faz parte de um contexto complexo, como: o meio social e a genética. “uma relação universal de causa e efeito direta entre o uso de álcool etílico e atividades criminosas parece pouco consistente, uma vez que inúmeros outros fatores estão implicados na gênese do crime” (Rigonatti, 2003). Devido a esta complexidade que envolve o consumo de álcool etílico e a criminalidade, cabe a responsabilidade na busca por respostas mais precisas estudos multidisciplinares como, por exemplo: a sociologia, a psicologia, a medicina e, a própria criminologia.

Autor do texto: Junio Luis Ferreira Sena

Bibliografia

RIGONATTI, Sérgio Paulo (coordenador); SERAFIM, Antonio de Pádua Barros; EDGARD, Luiz de. Temas em psiquiatria forense e psicologia jurídica. São Paulo: Vetor, 2003.

SENASP/Ministério da Justiça. Saúde ou doença: de qual lado você está? Atualizada até 16/02/2009. Brasil: Fábrica de cursos, 2009. 38 p.

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